Rússia usa Brasil como ‘linha de montagem’ de espiões, aponta jornal

Arte usada pelo jornal The New York Times para ilustrar reportagem sobre o uso do Brasil como "linha de montagem" de espiões russos – Foto: Reprodução/NYTimes

O regime da Rússia, chefiado por Vladimir Putin, vem utilizando o Brasil como plataforma para formar agentes de inteligência sob identidades falsas, que posteriormente são enviados para outros países com o objetivo de realizar operações de espionagem.

A revelação foi feita em uma reportagem publicada nesta quarta-feira, 21, pelo The New York Times.

A investigação do jornal norte-americano, que teve como base documentos, entrevistas com autoridades de diferentes países e dados de inteligência, mostra que uma operação da Polícia Federal (PF) brasileira — batizada de Operação Leste — apurou a atuação de ao menos nove espiões russos que fingiam ser cidadãos brasileiros.

A operação é conduzida pela mesma unidade da PF que investigou a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Segundo o NYT, o esquema russo consistia em “apagar” os passados reais dos agentes e construir novas identidades com documentação brasileira autêntica — incluindo passaportes, certidões de nascimento, CPFs, carteiras de motorista, títulos de eleitor e até comprovantes de serviço militar.

Uma vez consolidadas essas identidades, os espiões viajavam para outros países, como Estados Unidos, Noruega, Holanda e nações do Oriente Médio, se passando por brasileiros.

A escolha do Brasil, ainda de acordo com o jornal, se deve à força do passaporte brasileiro — que permite entrada sem visto em diversos países — e ao perfil multiétnico da população, o que facilita a camuflagem de estrangeiros.

Para reforçar o disfarce, os agentes abriram empresas, como lojas de joias ou negócios de impressão 3D, e chegaram a manter relacionamentos amorosos com brasileiros.

Um dos casos centrais revelados é o de Sergey Cherkasov, que usava o nome falso Victor Muller Ferreira. Ele foi preso no Brasil por uso de documentos falsos após ser impedido de entrar na Holanda, onde tentava conseguir um estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI).

O alerta inicial sobre Cherkasov foi feito pela CIA, em abril de 2022, pouco após a invasão da Ucrânia por tropas russas.

A Polícia Federal identificou que o “Victor Muller” nunca existiu de fato, embora tivesse documentos aparentemente autênticos, como uma certidão de nascimento no Rio de Janeiro e nome de pais reais. A investigação revelou que a mulher apontada como sua mãe morreu anos antes e nunca teve filhos.

Outro espião citado pela reportagem é Artem Shmyrev, que utilizava o nome falso Gerhard Daniel Campos Wittich e mantinha uma empresa no Rio de Janeiro.

Ele era casado com outra agente russa, Irina Shmyreva, que atuava na Grécia. Shmyrev deixou o Brasil em 2022, antes de ser preso, mas abandonou equipamentos eletrônicos e cerca de US$ 12 mil em um cofre. As mensagens entre ele e sua esposa contribuíram para o avanço das investigações.

Ao menos dois agentes foram presos, e os demais conseguiram deixar o Brasil antes de serem detidos. Com base nas informações reunidas, a PF acionou a Interpol, emitindo alertas com nomes, fotos e impressões digitais dos espiões. O objetivo foi impedir a continuidade das operações secretas e permitir a atuação das polícias de outros países.

O caso de Cherkasov é o único com prisão confirmada. Ele foi condenado a 15 anos por falsificação, mas teve a pena reduzida para cinco anos.

A Rússia afirma que ele é um traficante e solicitou sua extradição, mas o governo brasileiro manteve sua detenção sob a justificativa de necessidade para investigações adicionais.

O esquema russo também foi considerado pelas autoridades brasileiras como um ato de traição à relação bilateral.

A investigação, com colaboração de órgãos de inteligência de países como Estados Unidos, Israel, Uruguai e Holanda, identificou ao menos seis agentes com atuação confirmada no Brasil: Yekaterina Leonidovna Danilova, Vladimir Aleksandrovich Danilov, Olga Igorevna Tyutereva, Aleksandr Andreyevich Utekhin, Irina Alekseyevna Antonova e Roman Olegovich Koval.

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