Número de mortos em confrontos e execuções na Síria passa de mil, com civis alauítas entre as principais vítimas

Parentes e combatentes durante funeral de membro da força de segurança síria morto em combate com grupos leais ao ditador Bashar Assad (08/03/2025) - Foto: Omar Albam/AP

O confronto entre forças de segurança do novo governo sírio e grupos leais ao ex-ditador Bashar al-Assad resultou em mais de mil mortos em apenas três dias, configurando um dos maiores massacres na Síria desde 2011.

Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), a maioria das vítimas — cerca de 750 pessoas — são civis da minoria alauíta, à qual pertence Assad.

Muitas mulheres e crianças estão entre os mortos, executados por forças do governo interino e aliados em meio aos combates contra militantes pró-Assad, deposto em dezembro.

O número de combatentes mortos chegaria a 125 entre as forças do governo e 148 entre os rebeldes leais a Assad, mas o OSDH alerta que os dados são incertos e provavelmente subestimados.

No sábado, 8, autoridades do governo sírio afirmaram ter “restabelecido a ordem” no noroeste do país, antiga fortaleza de Assad, que governou a Síria com mão de ferro por 24 anos.

No dia seguinte, o presidente Ahmed al-Sharaa pediu “unidade nacional” após os três dias de intensos confrontos.

O conflito teve início na quinta-feira, 6, quando apoiadores de Assad atacaram forças de segurança em Jableh, na província de Latakia, berço da comunidade muçulmana alauíta.

Segundo o OSDH, os civis foram “executados” por “motivos confessionais” por agentes de segurança e combatentes pró-governo, além de haver “saques de casas e propriedades”.

A agência de notícias estatal Sana informou que forças de segurança repeliram um “ataque de remanescentes do regime deposto” contra o hospital nacional em Latakia.

Fontes do Ministério da Defesa indicaram que estradas foram bloqueadas para impedir “violações”, sem especificar os responsáveis. Tropas foram enviadas para Latakia, Jableh e Baniyas para “restaurar a ordem”.

O OSDH e outras fontes divulgaram vídeos na sexta-feira, 7, mostrando dezenas de corpos empilhados no pátio de uma casa, enquanto mulheres choravam ao redor. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) solicitou acesso “seguro” para equipes médicas e de resgate na região oeste da Síria.

A violência alarmou a comunidade internacional. Potências ocidentais e países vizinhos enfatizaram a necessidade de unidade na Síria pós-Assad, que busca financiamento para reconstrução após anos de guerra civil.

No sábado, a França condenou “nos termos mais enérgicos as atrocidades cometidas contra civis por motivos confessionais e contra prisioneiros“.

Nas redes sociais, especialmente no Facebook, surgiram diversos relatos de crimes contra civis alauítas. Samir Haidar, morador de Baniyas, relatou à AFP que dois de seus irmãos e sua sobrinha foram mortos por “grupos armados” que invadiram casas.

Ele conseguiu escapar para um bairro sunita e afirmou que “se tivesse chegado cinco minutos mais tarde, teria sido morto… fomos salvos nos últimos minutos“. Apesar de ser alauíta, Haidar fazia parte da oposição de esquerda a Assad e passou mais de uma década preso sob seu regime.

A Síria, marcada por sua diversidade religiosa e étnica, tem na comunidade alauíta uma presença expressiva no aparato militar e de segurança do clã Assad, que governou por mais de meio século.

Desde a queda de Assad, em 8 de dezembro, a tensão cresceu na região costeira e montanhosa, com apoiadores do ex-líder e ex-soldados atacando as novas forças de segurança.

O presidente interino, Ahmed al-Sharaa, ex-líder do grupo jihadista islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS), prometeu uma Síria “inclusiva”, mas analistas apontam que essa visão não é compartilhada por todas as facções sob seu comando.

Aron Lund, do centro de estudos Century International, alerta que grande parte da autoridade no país está nas mãos de jihadistas radicais de fé sunita, que veem os alauítas como inimigos. Segundo ele, os confrontos recentes demonstram “a fragilidade do atual governo”.

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