Primeiro debate presidencial nos EUA é marcado por ataques pessoais, domínio de Trump e fragilidade de Biden
Joe Biden e Donald Trump não apertaram as mãos, como fizeram em 2020, mas desta vez foi por decisão dos candidatos, e não por causa das regras de distanciamento da Covid-19.
Pela primeira vez desde 1988, o evento não foi organizado pela Comissão de Debates Presidenciais, a pedido dos candidatos, que concordaram com dois embates, nesta quinta-feira, 27, e no dia 10 de setembro.
Biden teve a chance de iniciar o debate com o pé direito, quando questionado sobre a economia, um dos campos em que tem números positivos para mostrar, apesar de não ser suficiente para impulsionar sua campanha.
Mas o que me chamou a atenção nas primeiras palavras do atual presidente não foram os argumentos, mas sua voz fraca e quase hesitante — segundo a Casa Branca, ele está gripado há alguns dias.
Trump, que usa a idade e a saúde do adversário como arma de campanha, não escondeu um sorriso irônico neste e em momentos semelhantes, que podem ter ofuscado os argumentos do democrata sobre o avanço do PIB, a queda da inflação e o desemprego.
Curiosamente, os dois mencionaram o tema da idade apenas na parte final do evento, quando Trump desafiou Biden para um “teste cognitivo” e relatou que “não entendia” o que seu oponente disse em uma frase — o republicano preferiu repetir, em mais de uma ocasião, que o governo do democrata era “o pior da história dos EUA”.
Em tom mais enfático e confiante, o ex-presidente disse que, em seu governo, a economia “nunca esteve tão forte”, deu a longa lista de autoelogios relacionados às suas políticas tarifárias sobre a China e não pareceu escorregar mesmo quando foi chamado de “condenado”, uma referência ao caso em que foi acusado de pagar pelo silêncio de uma ex-atriz pornô. Trump, aliás, negou ter cometido qualquer crime.
Sobre imigração, ele relacionou ataques violentos dentro dos EUA à “política de imigração fracassada” de Biden e sinalizou que promoveria deportações em massa se eleito. O democrata não citou as propostas mais duras para o setor defendidas por seu governo nos últimos meses.
Trump repetiu uma estratégia dos debates de 2016 e 2020: evitar temas mais sensíveis, sobre os quais não quer se comprometer ou sobre os quais sabe que tem posições que podem colocá-lo em apuros entre seus apoiadores.
Sobre o direito constitucional ao aborto, derrubado pela Suprema Corte em 2022, Trump rejeitou ter qualquer responsabilidade por juízes nomeados por ele durante seu mandato e disse que as circunstâncias em que o procedimento pode ser feito devem ser definidas pelos estados, conforme determinado pela Corte.
Logo em seguida, Biden fez uma defesa dos direitos reprodutivos das mulheres, reiterando que não cabe aos políticos decidir sobre saúde, mas sim aos médicos. Sua campanha aposta no tema como ponto forte para “roubar” votos do republicano, até agora sem tanto sucesso.
O republicano também “esquivou-se” de perguntas sobre política externa: respondeu vagamente se apoiava uma proposta feita pelo presidente russo, Vladimir Putin, que condiciona a manutenção dos territórios ocupados na Ucrânia ao fim da invasão, e disse que, se estivesse na Casa Branca, “a guerra nem teria começado”.
Biden chamou Putin de “criminoso de guerra” e defendeu a ajuda bilionária dos EUA a Kiev, reiterando que não se trata apenas de dinheiro, mas de armas fabricadas em território americano.
O atual presidente hesitou em falar sobre o papel dos EUA na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, na qual o apoio quase incondicional a Israel lhe custou votos entre alas mais progressistas do Partido Democrata. Ele defendeu um plano de três pontos pedindo o fim dos combates, o retorno de reféns e a entrada de ajuda humanitária no enclave palestino.
Ao mesmo tempo, Biden reiterou que forneceu ajuda necessária aos israelenses, inclusive durante o ataque iraniano em abril, embora tenha criticado o uso de armas como as “bombas burras”, de quase uma tonelada, em áreas civis.
Trump se recusou a dizer se era a favor do Estado palestino, mas sugeriu que Israel deveria “ser capaz de terminar o trabalho”, uma referência à promessa do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de “exterminar o Hamas”, algo que até mesmo no governo israelense dizem ser impossível.
Como esperado, Trump se esquivou de uma pergunta sobre a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 por seus apoiadores e repetiu argumentos de que funcionários do Congresso e da prefeitura de Washington recusaram suas ofertas de ajuda militar, algo que outros envolvidos no ataque negam.
Biden lembrou que Trump prometeu perdoar muitos dos envolvidos no ataque que foram presos e condenados por suas ações, e citou um comentário feito pelo republicano em março, no qual apontou a possibilidade de um “banho de sangue” se for derrotado em novembro.
Neste ponto, Trump disse que reconheceria os resultados da votação “se forem justos” e dentro da lei, mas deixando claro que ainda considera a eleição de 2020 fraudada (mesmo sem apresentar evidências para apoiar suas acusações).
A percepção do eleitorado de que o candidato republicano se saiu melhor foi confirmada em pesquisa divulgada pela CNN americana, que realizou o debate: 67% avaliaram positivamente o desempenho de Trump, contra 23% de Biden.